Carta dos Advogados da UALP

As Associadas da UNIÃO DOS ADVOGADOS DE LÍNGUA PORTUGUESA (UALP),
A Ordem dos Advogados de Angola,
A Ordem dos Advogados do Brasil,
A Ordem dos Advogados de Cabo-Verde,
A Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau,
A Ordem dos Advogados de Moçambique,
A Ordem dos Advogados Portugueses,
A Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe,
A Associação de Advogados de Macau,
Aos vinte e oito de Junho de dois mil e sete, reunidas em Assembleia- Geral Extraordinária realizada em Lisboa,
Tendo presente os Princípios Básicos Relativos à Função dos Advogados, adoptados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990,
Deliberam,

(i) Aprovar a CARTA DOS ADVOGADOS DA UALP, em que se consagram os princípios considerados como essenciais ao exercício da advocacia,

(ii) Recomendar aos respectivos Estados e Governos que se apliquem os princípios constantes da CARTA DOS ADVOGADOS DA UALP, adoptando-os nas respectivas legislações nacionais;

(iii) Recomendar aos respectivos Estados e Governos que fomentem a organização de acções de formação sobre a função dos advogados e sobre a imprescindibilidade da consulta jurídica e do patrocínio judiciário.

CARTA DOS ADVOGADOS DA UALP

1. Garantias fundamentais
1.1. A realização concreta e a protecção adequada dos direitos, liberdades e garantias, quer sejam económicos, sociais, culturais, civis ou políticos, exige que todos os cidadãos tenham acesso efectivo a um Advogado, para a consulta jurídica, bem como para o patrocínio judiciário e para se fazer acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade e em qualquer circunstância;

1.2. Os Advogados constituem o pilar de uma cidadania informada, o eixo fundamental da promoção da igualdade e do desenvolvimento e a garantia da afirmação dos direitos, liberdades e garantias, assegurando, através da advocacia independente, a defesa activa e a realização equitativa dos princípios do Estado de Direito Democrático.

1.3. Os Estados e os Governos devem assegurar a existência de processos simples, eficazes e adequados para que todos os cidadãos nacionais, estrangeiros ou apátridas - que se encontrem no seu território e que estejam sujeitas à sua jurisdição, tenham acesso a Advogado, em condições de igualdade e sem qualquer tipo de distinção ou discriminação, baseada na raça, cor, origem étnica, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra índole, para o que deve ser assegurada a existência de recursos suficientes para a atribuição de assistência jurídica aos cidadãos carenciados e para uma administração da Justiça isenta, célere e de qualidade.

1.4. Os Governos, as Ordens e as Associações de Advogados devem promover programas para informar os cidadãos sobre os deveres, direitos, liberdades e garantias e assegurar o sistema de acesso à assistência jurídica para carenciados, como tarefa fundamental do Estado na protecção dos mais desfavorecidos e como responsabilidade social dos Advogados na promoção da igualdade.

1.5. Os Estados deverão definir os actos próprios dos Advogados e promover uma efectiva proibição da prática destes actos por quem não seja Advogado com a inscrição em vigor na respectiva Ordem ou Associação profissional, de molde a que este combate à procuradoria ilícita de configure como uma protecção aos cidadãos e às empresas.

2. Os Direitos e Deveres dos Advogados

2.1. Os Estados e os Governos devem assegurar todas as condições para que os Advogados desempenhem a sua actividade de forma autónoma e independente, sem intimidações, obstáculos ou quaisquer formas de coacção ou interferência.

2.2. A lei deverá assegurar aos Advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e deverá regular o patrocínio forense como elemento essencial à administração da Justiça e a consulta jurídica como elemento imprescindível do exercício de uma cidadania mais informada e exigente.

2.3. Os Advogados não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar os actos próprios da advocacia, devendo ser-lhes assegurado o direito de requerer a intervenção da Ordem ou da Associação de Advogados para a defesa dos seus direitos ou dos legítimos interesses da classe ou dos cidadãos que representam.

2.4. Os magistrados, agentes de autoridade e funcionários públicos devem assegurar aos Advogados, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a imprescindibilidade da função e a dignidade da advocacia, bem como condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.

2.5. O advogado exercita sempre o patrocínio e a defesa dos interesses e dos direitos que lhe sejam confiados, com plena autonomia técnica e de forma livre, isenta, independente e responsável.

2.6. O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

2.7. O advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida e adequada administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas e jurisdicionais.

3. A intervenção do Advogado em matéria penal

3.1. Os Estados e os Governos têm a obrigação de assegurar que todas as pessoas que se encontrem presas, detidas ou acusadas da prática de um crime devem ser imediatamente informadas pela autoridade competente do direito de serem assistidas por um Advogado da sua escolha, sendo garantido o efectivo acesso, comunicação e consulta confidencial com o Advogado e, tratando-se de pessoa economicamente carenciada, proporcionando a nomeação de Advogado oficioso, suportando o Estado os honorários e as despesas que se mostrem indispensáveis ao exercício da consulta, do patrocínio ou da defesa.

3.2. A imposição de selos, arrolamentos, buscas, apreensões e diligências similares em escritório de Advogado só podem ser decretadas em casos excepcionais, devidamente fundamentados de facto e de direito e presididas por um magistrado judicial, não podendo ser conhecida e apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão de advogado, devendo ser sempre assegurada a presença de um Advogado que represente a Ordem dos Advogados..

3.3. Os Advogados têm direito de comunicar, pessoal, reservada e confidencialmente, com os seus patrocinados, mesmo quando estes se encontrem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, quaisquer que sejam as circunstâncias, as práticas ou os crimes imputados ou indiciados.

3.4. Advogado só poderá ser detido em flagrante, por motivos profissionais, desde que esteja presente um representante da Ordem dos Advogados no auto de detenção.

4. A Deontologia profissional

4.1. O Advogado é indispensável à administração da Justiça, para o que deverá mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes, comportando-se em conformidade com a lei e com as normas e regras deontológicas reconhecidas da sua profissão.

4.2. As Ordens e Associações de Advogados deverão definir e propor para aprovação pelos Governos as normas deontológicas e o código de conduta profissional dos Advogados, em que constem os direitos e deveres dos Advogados e o regime aplicável aos procedimentos disciplinares instaurados contra Advogados, que devem ser decididos por órgão imparcial da Ordem ou da Associação dos Advogados, com direito a recurso da decisão para Tribunal.

4.3. A confidencialidade e o segredo profissional na relação do cidadão com o Advogado é um direito essencial e pilar fundamental do Estado de Direito, devendo o Advogado guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício da sua profissão e da prestação dos seus serviços.

4.4. O Advogado deve defender empenhada e adequadamente os interesses do seu cliente, exercendo o patrocínio ou a defesa dentro dos limites da lei, da deontologia e da urbanidade.

4.5. A solidariedade profissional impõe uma relação de recíproco respeito, de confiança e de cooperação entre os Advogados, em benefício dos clientes e de forma a evitar litígios desnecessários, intermináveis ou inúteis, conciliando, tanto quanto possível, os interesses da profissão com os da Justiça ou daqueles que a procuram.

5. O papel das Ordens e das Associações profissionais de Advogados

5.1. Os Estados e os Governos deverão garantir que os Advogados constituam a sua Ordem ou Associação profissional, sob a forma de associação pública que atribui em exclusividade o título profissional de advogado e de advogado estagiário, que é independente dos órgãos do Estado, livre e autónoma na estipulação e na execução das suas regras, estando dotada das devidas competências, designadamente no âmbito disciplinar e de auto-regulação da advocacia.

5.2. As Ordens e as Associações de Advogados têm um papel essencial a desempenhar na defesa do Estado de Direito Democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, no respeito pelas normas legais e de deontologia profissional, na protecção dos Advogados contra qualquer ofensa ao exercício da advocacia, no acesso a serviços jurídicos pelos cidadãos que deles careçam e na cooperação com os Governos e demais instituições para a administração da Justiça, devendo ser ouvidas e pronunciarem-se sobre os projectos legislativos que interessem aos direitos, liberdades e garantias, em geral, quer ao exercício da advocacia, à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário, em especial.

5.3. Não obstante as especiais responsabilidades do Estado, designadamente de carácter logístico e financeiro, as Ordens e as Associações de Advogados devem cooperar na administração da Justiça, para garantir que todas as pessoas tenham acesso efectivo a serviços jurídicos e para que os Advogados estejam em condições de prestar consulta jurídica e patrocínio forense aos seus clientes, sem interferências indevidas, em conformidade com a lei e com as normas e regras deontológicas aplicáveis.

6. Formação dos Advogados e de Advogados Estagiários

6.1. As Ordens e Associações de Advogados deverão promover a formação inicial e permanente dos Advogados, a qual é também responsabilidade do Estado, bem como inculcar o respeito pelos direitos humanos, pelos direitos fundamentais e pelos valores e princípios deontológicos básicos da profissão.

6.2 As Ordens e Associações de Advogados deverão igualmente assegurar a crescente possibilidade de acesso universal aos conhecimentos básicos de natureza legal, técnica e ética e promover a evolução da boa aplicação do direito e de uma jurisprudência que respeite os direitos humanos, para o que os Governos as deverão dotar das devidas competências e apoios de carácter logístico, económico e financeiro.

Aprovado por unanimidade em Assembleia-Geral Extraordinária, em Lisboa, aos vinte e oito de Junho de dois mil e sete.